11 outubro 2006

DN: PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DE UM ARGUIDO PODE DESAPARECER

O princípio da presunção da inocência de um arguido pode desaparecer do direito português em resultado do acordo político-parlamentar para a justiça entre o PS e o PSD, no qual se estabelece o princípio da publicidade dos processos criminais em fase da investigação.No texto assinado a 8 de Setembro, os dois maiores partidos fazem constar que o processo penal, por regra, vai passar a nascer público, tornando-se secreto apenas se, a posteriori, o solicitarem a vítima, o arguido ou o Ministério Público (MP), ficando a decisão sempre dependente de um juiz de instrução criminal. "Com a consagração do princípio da publicidade permite-se e legaliza-se a prática de realizar detenções ou notificações em frente das televisões e dos repórteres fotográficos - prática que actualmente, embora habitual, é ilegal, "afirma, em declarações ao DN, o juiz desembargador Eurico Reis.Segundo a lei em vigor, recorde-se, o processo penal nasce secreto, não só no interesse da própria investigação mas também, e sobretudo, para preservar a honra de quem é investigado. Até prova em contrário, refere a Constituição, presume-se a inocência dos arguidos. Assim, se - no âmbito de uma investigação - o Estado se reserva o direito de invadir a privacidade de uma pessoa, ao mesmo tempo compromete-se a garantir o sigilo até se mostrarem fundamentados os indícios criminais. Se não houver uma acusação formal, o caso "morre" em silêncio, evitando-se a condenação de pessoas inocentes na praça pública.RevoluçãoMas o pacto para a justiça anuncia mudanças. "É restringido o segredo de justiça, passando, em regra, a valer o princípio da publicidade", atesta o acordo político-parlamentar. Entendem PS e PSD que "a aplicação de regime de segredo de justiça só se justificará quando a publicidade prejudicar a investigação ou os direitos dos sujeitos processuais."Mas quem decidirá será sempre um juiz, a requerimento da vítima, do arguido ou do MP. Este poderá também determinar logo à partida a sujeição do processo a segredo de justiça. A decisão, contudo, terá sempre de ser confirmada a posteriori pelo ma-gistrado judicial. O princípio, mantém-se sempre o da publicidade."Querendo alcançar um objectivo em si positivo - que é o de permitir aos arguidos conhecer melhor o processo que contra si é instruído -, o acordo acaba por atingir o objectivo oposto, pondo em causa o princípio da presunção da inocência", diz Eurico Reis, que assegura: "Quando a pessoa que dirige o processo o quer realmente, a informação não sai do processo. Dá trabalho. Mas é assim..." É preciso esperar"Será ainda necessário ver os textos legais para se perceber como se concretiza este acordo político- -parlamentar para a justiça." Na opinião do "pai" do actual Código de Processo Penal, professor Figueiredo Dias, a lei, de 1987, "não parece estar mal". Talvez a sua aplicação é que "não esteja a ser eficaz", observou o professor de Coimbra, em declarações ao DN, frisando que terá agora de se conhecer o conteúdo da futura legislação.É preciso, pois, ver "como será conformada a nova lei", considerou igualmente Germano Marques da Silva, ex-director da Faculdade de Direito da Universidade Católica, para quem há muitos crimes que não justificam a aplicação do segredo: cheques sem provisão, injúria ou difamação, agressão, entre muitos outros.Ao nível do segredo externo, o professor chama a atenção para a necessidade de se preservar, sempre, a honra das pessoas em crimes mais complexos, como o de violação ou de fraude. Mas, ao nível do segredo interno, considera que deve haver mais abertura. "Os arguidos têm o direito de saber de que se são indiciados para que se possam defender ", frisou. Em seu entender, "é esse o objectivo que o pacto pretende alcançar."
in DN