02 fevereiro 2007

SUPREMO RECUSA "HABEAS CORPUS"

"Milhares de portugueses aguardavam esta decisão. Se calhar os que assinaram a petição de habeas corpus estão frustrados." À porta do Supremo Tribunal de Justiça, o advogado Fernando Silva, um dos autores do pedido de libertação do sargento Luís Gomes, em prisão preventiva por via da acusação de sequestro da sua filha, reage ao "não" dos juízes-conselheiros. Ao seu lado, o colega Calisto Melo brande o voto de vencido do único que lhes deu razão, o juiz Santos Carvalho, para quem existe "uma grosseira ilegalidade quanto à qualificação jurídica dos factos, tal como configurados até ao momento", já que os considera inequivocamente enquadrados "no crime de subtracção de menor e não de sequestro agravado, sendo certo que a moldura penal daquele não autoriza nem consente a medida gravosa de prisão preventiva". Com pena até dois anos, a subtracção de menor foi um dos crimes de que Luís Gomes foi acusado, em concurso com o de sequestro. O Tribunal de Torres Novas acabou por concluir que o crime mais grave "consumia" o outro. Para Santos Carvalho, é incontroverso que o crime de sequestro só poderia existir se a sentença que regula o poder paternal e o atribui ao pai biológico já tivesse transitado em julgado. E explica: "Apesar de o recurso que ainda está pendente [interposto pelo casal Luís Gomes/Adelina Lagarto] não ter efeito suspensivo, a sua execução só deveria ser ordenada, no interesse da menor, no momento em que ficasse firmemente fixado o poder paternal, pois a guarda, confiança e educação de uma menor de tenra idade não podem vogar ao sabor das diversas decisões judiciais que se forem produzindo". O juiz critica assim claramente o Tribunal de Torres Novas, que exigiu a entrega da criança antes da decisão do recurso, mas mais: parece dar, tacitamente, razão a Luís Gomes e à sua desobediência. Será por esse motivo que, apesar de a decisão colegial não ter acolhido a pretensão peticionária, Calisto Melo considere que houve "uma vitória: uma vitória da criança, ao fim e ao cabo". E conclui: "Em quatro juízes, houve um que concordou com Portugal inteiro."Se se trata ou não de Portugal inteiro, é discutível. Mas a ideia de justiça popular não anda longe do espírito dos que aclamam o pai "adoptivo" e vaiam o pai biológico e os tribunais. Uma "pressão" que Fernando Silva não reconhece como tal mas que esteve subjacente a parte das suas alegações perante o colectivo de juízes (Silva Santos, Costa Mortágua e o relator Pereira Madeira, para além do já citado), em que afirmou estar-se "a fazer história, fosse qual fosse a decisão, devido ao número de signatários da petição". Fez-se então história. Mas a "justiça" que pediu "de preferência" não saiu como o advogado esperava. Restou o "agitar de consciências" que disse ter sido o principal objectivo do seu gesto. "Estou plenamente convencido que se não tivesse havido toda esta mobilização talvez não estivéssemos nesta expectativa." E cita o facto de se ter assistido, nos últimos oito dias, a mais desenvolvimentos judiciais do caso que nos últimos dois anos.A aceleração notória do ritmo habitualmente tão lento da justiça e a pressão "popular" que a determinou poderão ter sido factores determinantes da decisão do Supremo. De facto, o colectivo esteve longe de certificar que a prisão preventiva de Luís Gomes não é ilegal. Aliás, reconhece que "o aspecto jurídico da questão se apresenta altamente problemático", "discutível" e "não consensual". Mas, vendo "os factos a considerar" como "ainda provisórios e não devidamente estabilizados", remete para as instâncias clássicas de recurso a resolução das dúvidas suscitadas e de eventuais ilegalidades. Até porque, frisa, seria necessário, para que o pedido de habeas corpus "passasse", que se ajuizasse a dita ilegalidade como "grosseira".
in DN