24 outubro 2006

METADE DOS JULGADOS DE PAZ FUNCIONAM COM PROBLEMAS

"Há alguma proposta para resolver a questão? É que se vai para o tribunal judicial a decisão vai arrastar-se." O juiz João Paulo Chumbinho tentou de tudo para que o demandante, Fernando Sousa, e o demandado, agência de viagens Abreu, chegassem a acordo para resolver logo ali, no Julgado de Paz de Lisboa, o pedido de indemnização cível apresentado por Fernando Sousa na sequência do atraso de um dia da sua viagem de regresso do Brasil.A agência de viagens não estava aberta a propostas - "a responsabilidade pelo atraso é da companhia aérea", argumentava a advogada - e a tentativa de conciliação morreu sem dar frutos. "Vamos arriscar subir ao tribunal de comarca", atirou a causídica, fazendo cair por terra as tentativas de aproximação do juiz.Mas é esta a função do juiz de paz. Cabe-lhe tentar sempre, e até à última, um acordo entre as partes em conflito. "O julgado de paz é um tribunal vocacionado para o acordo, a pacificação e onde os valores-base são a humanização e a proximidade com as pessoas", explicou ao DN o juiz João Paulo Chumbinho, um ex-advogado que há cinco anos, quando foram criados os primeiros julgados de paz - forma mais rápida e barata de administrar a justiça - decidiu embarcar nesta aventura. "Estou a adorar", sublinhou o coordenador de um dos julgados que mais afluência tem tido e que melhor concretização de resultados tem conseguido.
Mas nem todos os julgados têm "funcionado bem" como o de Lisboa. Segundo o relatório anual do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz referente a 2005, oito dos 15 julgados existentes funcionam ainda com alguns problemas ou com evidente escassez de procura. É o casos dos tribunais de Miranda do Corvo, Santa Marta de Penaguião, Tarouca, Terras do Bouro, Vila Nova de Poiares, Aguiar da Beira, Trofa e Oliveira do Bairro.No que respeita a Miranda do Corvo, o relatório refere que as instalações são funcionais e que a juíza de paz "é dinâmica", mas admite que é um tribunal que "não tem grande movimento". O de Santa Marta de Penaguião, segundo o relatório entregue anualmente ao Parlamento, "está dimensionado excessivamente e com distâncias agravadas por dificuldades de trânsito" e não tem "rentabilização nem divulgação adequadas". O relator conclui que "há que repensar a estruturação de julgado de paz nesta zona".Em Tarouca, existe "falta de divulgação, confusão com serviços municipais", pouca colaboração dos advogados e escassa procura. De tal forma que a juíza está a prestar ajuda ao Julgado de Paz do Porto. O relatório refere mesmo "que se justifica o repensamento da estrutura do agrupamento". Também o julgado de Terras do Bouro tem "escassa movimentação". Aqui, avisa o relator, "urge maior divulgação, se é que tem havido alguma". Mas "um dos casos mais preocupantes" é o de Vila Nova de Poiares, onde o julgado está localizado na câmara, levando os cidadãos a confundirem o tribunal com "um departamento municipal" (ver texto na página ao lado). O relatório diz que "necessita de reestruturação completa".Também o tribunal de Aguiar da Beira "continua a ser uma fonte de preocupação, face à pouca rentabilidade". Este caso, diz o relator, "exige intervenção rápida estrutural". Por fim, surgem os julgados de Trofa, que "revela escassa procura", e de Oliveira do Bairro, onde falta um juiz.
Como casos de sucesso, o relatório destaca os julgados de Vila Nova de Gaia, Cantanhede e Sintra. E a funcionar bem, ou com menos problemas, estão os tribunais de Coimbra (o mais recente), Porto, Seixal (apesar de enfrentar "dúvida sobre segurança, que "deverá ser averiguada") e Lisboa. Na capital, João Paulo Chumbinho gosta de realçar que, ao contrário do que aconteceu com Fernando Sousa, a grande maioria dos processos termina com um acordo. Mas este juiz de paz não deixa, contudo, de avisar que, face ao crescente número de processos que têm dado entrada, é necessário criar novas secções em outras freguesias e criar uma nova sala de audiências em Telheiras, onde funciona o julgado. O relatório também refere estas carências e também aponta estas recomendações.
in DN